(SPOILERS DE GAME OF THRONES)
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Na obra de George R. R. Martin, As Crônicas de Gelo e Fogo, as famílias nobres tem lemas, estandartes e personalidades bem definidos. É quase como se pertencer a uma família fizesse com que seus gostos, personalidade, costumes e crenças viessem num pacote, impresso no DNA de cada um. Algumas vezes, até os súditos tomam a forma dos soberanos, conservando, admirando e defendendo seus costumes, independente de estarem sendo humilhados e explorados pela família nobre. A família Stark, por exemplo, é costumeiramente referida como um ajuntamento de pessoas duras, frias, geralmente mau humoradas, mas justas, leais e responsáveis, tanto que seu lema avisa insistentemente que a catástrofe pode cobrir o mundo a qualquer momento ("O inverno está chegando"). Já os Targaryen, sedentos por poder, orgulhosos, narcisistas e bélicos como poucos, tem um lema que anuncia "tudo isso que tá aí", e os inimigos que tremam, e os subalternos que dobrem-se ainda mais sob seu senhorio ("Fogo e sangue"). Ta OK?
Dia desses, numa conversa indignada sobre como o final da série de televisão baseada nas Crônicas de Gelo e Fogo degringolou e decepcionou, ouvi a seguinte análise "Ué, mas não sei por que as pessoas se decepcionaram com o que Daenerys fez em Porto Real... ela anunciava desde o início que tomaria o que era dela com Fogo e Sangue." E não é que é verdade? Qual a surpresa? Por que a decepção e a indignação? Ela, nesse sentido, foi coerente. Disse que faria, e fez. Queimou uma cidade inteira, com toda a população dentro dela, sacrificou inimigos capturados e só parou seu governo de terror ao perder a vida. Mas infelizmente essa não é uma postagem analítica de uma obra de ficção, e por isso mesmo é aterrorizante.
O território brasileiro está, me parece, sobre um lema de família parecido com o dos Targaryen. Estamos matando mais (gente, bichos e florestas) para garantir a exploração (de recursos, do povo) com o mínimo de controle. Os grandes empresários, de diversos setores, são aparentados e/ou súditos dessa família, e estão exultantes com os líderes nacionais! O trabalhador tem que escolher, palavras do próprio líder, entre direitos ou emprego, e os patrões se lambuzam! Os espaços naturais, tesouro não só brasileiro mas mundial, estão sendo destruídos com fogo, serras e correntes, e dão lugar a crateras de mineração, monoculturas regadas à agrotóxicos e hectares sem fim de pasto. Décadas de mineração irresponsável desmataram, escavaram e enriqueceram poucos, e os resíduos disso estouram em avalanches impiedosas, cobrindo tudo de lama, e os culpados seguem impunes e ricos. O que a maior parte da população come não é seguro, está envenenado, enquanto os ricos pagam caro por alimentos orgânicos. Uma grande massa bitolada segue cegamente interpretações distorcidas e diabólicas do Evangelho de Cristo. Tudo isso sob os mandos e desmandos de um clã, que, endeusado por parte significativa da população, como o bezerro de ouro de outrora, brada seu lema sem medo e sem vergonha: fogo, lama, agrotóxico, religião e sangue! Morram de inveja os Targaryen, por que isso aqui não é ficção. E olha só! Alguns afirmam estar surpresos com o que está acontecendo, decepcionados com a figura mitológica que apoiaram, mas, assim como Daenerys, os absurdos que estão sendo executados foram anunciados aos quatro ventos, gritados em redes sociais (jamais em espaços de debate, por que a extrema inépcia de uns impediria qualquer aprofundamento da discussão) e muitas vezes tratados como má interpretação da mídia e dos críticos. Relativizaram a crueldade, endossaram, sob uma ideologia teoricamente conservadora, discursos de ódio. Milhares de outros bateram o martelo ao isentarem-se de culpa, decidiram o futuro ao "não opinar", e assim permitiram que os absurdos concretizassem-se.
Não quero aqui dizer que a maldade nasceu em 2018, mais especificamente em outubro, ou que a política era santa e ilibada antes disso. Mas o crescimento do discurso fascista, o desprezo pelo saber científico, a hostilidade religiosa, a supervalorização do capital em detrimento do ser humano e da natureza estão alcançando níveis absurdos, e isso é endossado e incentivado (dessa vez diretamente, em público, diante dos microfones e câmeras, ao vivo e a cores) pela figura maior do clã.
Na minha opinião, uma das maiores catástrofes que poderia se instalar no Brasil, e com consequências mundiais talvez irreversíveis, tem nome e sobrenome, e assim como os Stark, muitos avisaram que ela chegaria. Desesperador.
Vivemos uma época em q precisamos defender o óbvio. É triste olhar em volta e ver tanta desesperança de pessoas, como eu, q estão estarrecidas com as notícias e com as pessoas q seguem defendendo o indefensável. É realmente assustador.
ResponderExcluirTambém me sinto tentando explicar pras pessoas que 1+1=2...
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