"O bullying é um problema. Sim, esse início pode parecer bem óbvio, mas para algumas pessoas não é. Então, antes de mais nada, é preciso ratificar que sim, é um problema grande e real. Pra começo de conversa, esse é um dos pontos cruciais pra que o bullying seja um problema: a dificuldade de reconhecê-lo como tal. Existe um discurso muito comum entre as pessoas que, basicamente, consiste em “na minha época as crianças brincavam umas com as outras e ninguém se importava”, “os adolescentes hoje são muito frescos, tudo é um drama”... e por aí vai... Enquanto isso, há uma infinidade de crianças e adolescentes por aí sofrendo horrores por conta dessas ””brincadeiras (???)””.
Eu fui uma vítima de bullying. É estranho, inclusive, admitir isso, pois eu demorei um pouco pra entender que era bullying o que eu vivia. Estudei na mesma escola até a minha sétima série (oitavo ano), logo, convivi com a mesma turma por um longo tempo. Fui uma criança que era mesmo criança, tinha um coração bondoso, o que deveria ser inerente a toda criança, era gordinha, tinha cabelos cacheados e volumosos e era lenta. Lenta para entender as coisas, lenta para fazer as coisas. Eu era lenta. Eu não sei quais dos fatores acima mais me fizeram sofrer, mas eu paguei caro por todos eles durante a minha infância e início da adolescência. Eu era motivo de chacota e alvo de uma série de “””brincadeiras”””. Muitas vezes eu ria dessas brincadeiras, numa tentativa desesperada de ceder à máxima do “se não pode vencê-los, junte-se a eles”, mas não consegui manter essa reação por muito tempo e ir para a escola se tornou um verdadeiro martírio, pedir pra parar era inútil (na verdade só fazia as coisas piorarem). Não quero fazer desse texto um relato, mas irei apenas deixá-los cientes de que eu só não sentei em cima de uma tachinha certa vez, graças ao meu hábito de sempre olhar antes o lugar onde irei sentar.
Me tornei uma pessoa insegura, fiz dietas malucas durante a adolescência e odiava meu cabelo. A escola em que eu estudava fechou e eu precisei ir para uma outra. Chorei. Tive muito medo. Minha insegurança era tamanha, que mudar de terreno me causava espanto, mesmo que o chão no qual eu estivesse pisando fosse cheio de espinhos. Foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido. Fui finalmente bem recebida e acolhida. Porém, ao mudar de escola iniciou-se em mim um processo de descoberta que, sinceramente, creio que dura até hoje: eu não sou o que me fizeram acreditar que eu era.
Não quero ser porta-voz de todas as pessoas que já sofreram bullying, mesmo porque eu sei que há pessoas por aí que passaram por situações bem piores, mas de todos os problemas gerados por essa prática eu ouso dizer que o maior é o que ele causa na autoestima das vítimas. Seja com relação à aparência ou ao intelecto, às vezes é difícil se recompor e se convencer de que aquelas “””brincadeiras”” não definem quem você é, nem as suas capacidades. Não é fácil convencer-se de que aquelas peculiaridades que tanto usaram pra te fazer sofrer, ao contrário do que fizeram parecer, não te tornam pior do que ninguém. Porém, quando essas descobertas finalmente começam a acontecer, é libertador. Não que tudo se apague, porque não apaga, nada se apaga, machuca lembrar, machuca saber que muitos momentos da sua juventude que poderiam ter sido felizes, foram roubados a troco de nada. Mas é sim libertador saber que o problema não estava em você que sofreu, estava em quem te causou isso.
A questão chave é que para que esse processo de libertação comece a acontecer é preciso que o problema seja reconhecido e, muitas vezes esse processo não é tão rápido, mesmo porque cada vítima vai reagir de uma forma diferente. Há aqueles que se tornarão agressivos e há aqueles que se tornarão reclusos, por exemplo; há aqueles que gritarão por socorro desde o início e há aqueles que irão engolir todo o sofrimento, para apenas vomitá-lo e pedir esse socorro quando não estiverem mais suportando, há aqueles que vão fingir ‘lidar bem’ com a brincadeira para não serem taxados de ‘mimizentos’.
Eu, francamente, não sei qual é o meu propósito com esse texto. Talvez nem haja um. Mas sei que de vez em quando, pessoas aleatórias me chamam de ‘lerda’ no meu dia a dia, fazendo com que, em frações de segundos, passe um filme em minha cabeça. Elas não sabem disso, elas não sabem o que vivi, nem faço questão que saibam, mas em meio a todos esses ‘filmes’ sempre reafirmo pra mim mesma (embora com uma certa dificuldade, mas enfim...) que com toda a minha ‘lerdeza’, eu suportei um monte de coisas, eu vivi um monte de coisas, eu planejo um futuro feliz pra mim e batalho por ele. Não quero dizer que dei a volta por cima... não é isso... ainda convivo com uma insegurança meio prejudicial, mas tento fazer dessas memórias um antídoto. Acho que tem funcionado".
Ludmilla Freitas de Jesus Souza
Disponível em: http://zelmar.blogspot.com/2017/10/bullying.html |
# Colaborações - Nota do autor do blog:
Tenho diversas opiniões, mas jamais versarei sobre determinados temas com a propriedade de quem os viveu na pele. Por isso, convidei algumas pessoas de minha convivência, pessoas que admiro, pessoas que tem histórias pra contar e opiniões a dar, e propus que escrevessem, desabafassem, opinassem sobre alguns temas. Os textos dessa categoria (Colaborações) serão publicados na íntegra, conforme os autores me enviarem, e, respeitando a individualidade de cada um, é possível que Eu não concorde com tudo o que está aí escrito. No entanto, devemos aprender a conviver com as discordâncias, sempre mantendo o respeito e a tolerância. Qual a sua opinião sobre o texto acima?
É triste que nós precisemos avisar pras pessoas: " olha, fulaninho, você não pode ofender, perseguir, torturar as pessoas assim...." O bullying é coisa séria, seríssima, e precisa ser combatido!
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