Disponível em: http://observatorio3setor.org.br/noticias/metade-das-criancas-e-jovens-no-mundo-ja-sofreu-bullying/ |
Nesse país (em qualquer país patriarcal, mas aqui meu foco é nas questões locais), "cabra macho" de verdade tem que gostar de futebol, tem que falar putaria, tem que pegar 200 mulheres, e se namorar/casar tem que trair, tem que ser ignorante, não pode fazer atividades domésticas, tem que ter letra feia, tem que beber cerveja até cair, tem que assediar mulher na rua/escola/emprego/etc, tem que gostar de MMA, tem que brigar na escola, tem que isso, tem que aquilo, tem que, tem que, tem que... Um mundo de regras, repassadas acriticamente, doutrinadas fervorosamente, muitas vezes aprendidas pelo simples exemplo, e, acredito eu, absorvidas por inércia ou por pressão.
Eu nunca gostei de futebol, e isso foi uma maldição por muito tempo. Tentei jogar, na infância, mas não via prazer nenhum naquilo. Continuava jogando, porque todos os meninos jogavam, e quando eu resolvi parar, ainda muito cedo, lá pelos dez anos, começaram as chacotas. Eu fui a "bichinha", eu fui o "gordo preguiçoso", eu fui excluído de muitas outras "brincadeiras de menino" porque eu não gostava de futebol. Diante das professoras, lição de moral me colocando como "errado", críticas e sorrisos amarelos, cochichos entre docentes e coordenação, que eram percebidos pela turma e me tornavam mais uma vez foco de atenção e piadas. (Abre parênteses: na minha família [a parte que mora na minha cidade] sou o único da minha faixa etária. Geralmente todos os meus primos brincavam entre eles e eu tinha que me virar sozinho. Em casa, sozinho, eu brincava com os meus brinquedos, criava minhas histórias, fazia a voz de diversos personagens, e cheguei a ser questionado acerca de minha sanidade mental, ainda que de brincadeira, mas sabemos que há um fundo de verdade. Não era não, eu só precisava brincar com alguém, e a única pessoa disponível era eu mesmo. Fecha parênteses). Acabei tendo poucos amigos desde sempre: dois ou três meninos que não se importavam de estar na companhia do "menino que não gosta de futebol" (e geralmente brincávamos encenando as histórias fantasiosas que eu criava, onde cada um interpretava um personagem com superpoderes!). Também me aproximei de meninas, morrendo de medo de mais humilhações, mas me aproximei. Elas não me chamavam de "bicha". Elas até brincavam de minhas brincadeiras de super-heróis e de lutas! Que surpresa pra mim!
Passou mais um tempo, e quando os hormônios começaram a falar, todo mundo queria namorar, inclusive eu. Mas lembra que eu era meio solitário? Não devo ter aprendido as piadas escrotas, não devo ter falado das meninas como objetos, e isso deve ter me influenciado a olhar diferentemente para elas. Respeitosamente. Não estou me promovendo a nada, são apenas fatos. Tive amores platônicos, inalcançáveis, e quando a adolescência chegou, eu não quis ficar com 200 meninas. Poucas e bem selecionadas me bastaram. Aqui eu já tinha um determinado círculo social, meninos e meninas, que me aceitavam por não gostar de futebol, mas a insegurança de ser quem sou, a esquisitice de não partilhar das baixarias dos outros caras, continuaram. Os olhares, os risos, os gestos. Eu ainda era alvo. Comecei a ler na adolescência, e não parei mais, nem pretendo. Que esquisito me empolgar tanto com coisas que poucos tinham apreço... Quanto ao esporte (que minha gordice nunca permitiu ser assíduo e dedicado), por muitos anos, nadei, mas quando a escola requisitou que participasse da educação física, escolhi jogar vôlei. Não escolher futebol mais uma vez é visto com maus olhos. Vida que segue.
Chega a vida adulta. Aqui já não me importo mais. Já não me importo... ou me importo? É esquisito, não nego, não fazer parte de "grupos de homens", não ser convidado a participar de rodas de conversa sobre futebol (estou louco? Eu nem gosto desse esporte!!!). Mas é um sentimento esquisito. Não anseio por receber conteúdo pornográfico, muitas vezes de mulheres conhecidas, de garotas menores de idade, não anseio por saber das traições de fulanos. Não aprovo, e até tenho uma aversão um pouco mais exagerada, devido ao meu cristianismo, a pessoas enraizadas em movimentos religiosos desde a infância, mas que a macheza os permite/obriga à promiscuidade, à traição. Parece que esses caras precisam estar provando o tempo todo sua macheza! Que macheza mais delicada, essa! Pra fazer parte do padrão heteronormativo, o machão, o cara tem que fazer tudo travado, dentro daquele escopo de regras, porque senão... "iiiiih, essa coca é fanta". No "país do futebol", ser chamado de "bicha" é fácil, fácil, basta pisar fora da linha do machismo. Heterossexualidade, pra mim, é sentir atração pelo sexo oposto. Ponto. Toda essa pressão machista sobre os meninos, desde que nasce um bebê na verdade, para que ele seja sexualizado, goste de futebol, faça isso, faça aquilo, é uma crueldade. Eu sofri, na minha infância, mas graças a Deus não desenvolvi transtornos maiores do que uma certa insegurança. Hoje estou satisfeito comigo, estou seguro de meus posicionamentos, e cada vez mais desconstruído sobre o que o machismo dita como verdade absoluta, mas o danado do sentimento de esquisitice, de exclusão, permanece. Namoro (desde a adolescência, com a mesma mulher), e não tenho problema que ela mexa no meu celular, por exemplo. Fico tranquilo, em paz. É tão bom, vocês que traem e que têm "contatinhos" deveriam experimentar essa paz. Mais uma vez, não estou me promovendo a nada, só estou questionando e desabafando: Será mesmo que tudo que o "machão" faz é fruto de seus desejos naturais, ou é para suprir a demanda da pressão do padrão machista? Comigo não é, e por não ceder à pressão, me sinto esquisito, peixe fora d'água.
Ciente de que ofendo alguns (chamando-os de rasos, possuidores de uma masculinidade frágil, escrotos, promíscuos, sacanas e assediadores), mas que também posso trazer alento a outros, acredito que essa minha opinião é uma das mais difíceis de escrever, porque subverte uma regra já bem enraizada, regada e adubada diariamente. Mas essa é só a minha opinião, baseada em minhas experiências pessoais, ninguém é obrigado a concordar.
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